DOCUMENTO DE SÍNTESE DA REUNIÃO CONJUNTA DA COMISSÃO PERMANENTE DE ALIMENTAÇÃO, AGRICULTURA E RECURSOS NATURAIS COM A COMISSÃO PERMANENTE DE COMÉRCIO, INDÚSTRIA, FINANÇAS E INVESTIMENTO
LEMA: «PELA EXPANSÃO DO INVESTIMENTO NA AGROECOLOGIA NA ÁFRICA AUSTRAL PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E A ADAPTAÇÃO AO CLIMA»
DOMINGO, 1 DE MAIO DE 2022
Os efeitos das alterações climáticas – secas, cheias e pragas persistentes – agravados pelos desafios económicos, a pobreza, os conflitos, as disparidades de género e as deficiências de responsabilidade social têm todos contribuído para a crise da segurança alimentar na região da SADC. A pandemia de COVID-19 reduziu as receitas e perturbou as cadeias de fornecimento, agudizando ainda mais a pobreza na região. Segundo o Relatório-síntese da SADC sobre o Estado de Segurança Alimentar e Nutricional e Vulnerabilidade na Região Austral, lançado em Julho de 2021, até 47,6 milhões de pessoas (aproximadamente 13 por cento da população total) na região da SADC estão em situação de insegurança alimentar. Embora muitos Estados membros tenham beneficiado de uma colheita abundante de milho em 2021, as quedas pluviométricas acima da média fizeram-se acompanhar de uma estação de ciclones destrutiva. Nos dez Estados membros da SADC que remeteram dados, uma estimativa de 47,6 milhões de pessoas estão em insegurança alimentar, um aumento de 5,5% a partir de 2020 e 34,3% acima da média quinquenal.[1]
Os pequenos agricultores, que produzem a maior parte da alimentação da SADC, ficaram afectados pelos efeitos da Covid-19, incluindo receitas domésticas mais baixas, acesso limitado aos insumos (sementes, fertilizantes) e falta de serviços de extensão para combater a ameaça em curso de pragas e doenças. Em particular, a pandemia afectou muitos aspectos das vidas das mulheres pequenas agricultoras, que representam cerca de metade da força de trabalho agrícola na África Subsaariana, do enfraquecimento da sua segurança alimentar e dilapidação das suas poupanças, ao aumento do seu volume de trabalho não remunerado e intensificação do risco de sofrerem violência baseada no género.[2]
Em 2003, os Estados membros da União Africana assinaram a Declaração de Maputo, que se comprometia a aumentar as alocações orçamentais agrícolas para 10%, tentar atingir um crescimento agrícola de 6% e criar o Programa Abrangente de Desenvolvimento Agrícola em África (CAADP).[3] Logo depois, os Estados membros da SADC assinaram a Declaração de Dar-es-Salam em 2004, que estabeleceu áreas prioritárias visando o alcance da segurança alimentar, incluindo abordagens a curto prazo tais como o asseguramento do acesso a sementes, fertilizantes e agroquímicos de qualidade.[4] Seguiram-se outros instrumentos regionais, orientando medidas tanto regionais como nacionais: a Política Agrícola Regional (RAP) em 2013; o Plano Regional de Investimento na Agricultura (RAIP) em 2017–2022; a Estratégia de Segurança Alimentar e Nutricional (FNSS) da SADC em 2015-2025; e a Estratégia e Plano de Acção da SADC para as Alterações Climáticas (CCSAP) 2015 – 2030.
Segundo o Centro Africano para a Biodiversidade, no entanto, as práticas que emanam do CAADP, que foram implementadas pelos governos africanos, tais como subsídios aos insumos através dos programas de subsídio aos insumos agrícolas (FISPs) nem sempre tiveram o efeito desejado.[5]: embora os compromissos internacionais, continentais e regionais (SADC) promovam o apoio aos pequenos agricultores como estratégia-chave visando o alcance da segurança alimentar para as famílias, a formulação de políticas agrícolas na região não tem sabido responder de forma adequada às necessidades dos pequenos agricultores.
Em vez disto, proporções substanciais dos orçamentos nacionais são canalizadas em direcção aos FISP mediante o fornecimento de subsídios que reduzem o preço do fertilizante e da semente (geralmente de milho híbrido). Além de assegurar uma rede de protecção económica parcial, viu-se que os subsídios não beneficiavam directamente os pobres e mais vulneráveis, que são principalmente as mulheres. O que os FISP fazem mesmo é encorajar os pequenos agricultores a canalizarem os escassos recursos para a produção do milho híbrido, reduzindo efectivamente a diversidade dos alimentos disponíveis.[6] Num relatório global de 2021, a FAO reconhece que o actual apoio agrícola «está inclinada para medidas que são nocivas e insustentáveis para a natureza, o clima, a nutrição e a saúde, ao mesmo tempo que colocam em desvantagem as mulheres e outros pequenos agricultores no sector». A FAO defende que, ao «reajustar o apoio aos produtores agrícolas, os governos podem optimizar os parcos recursos públicos no sentido de apoiar os sistemas de alimentação por forma a torná-los não só eficientes, como também mais apoiantes de vidas saudáveis, uma natureza e um clima igualmente saudáveis. Esta pode também ser uma oportunidade de se atingir uma forte recuperação económica num mundo pós-pandemia de COVID-19.»[7]
Devido aos efeitos das alterações climáticas que causam secas e cheias em toda a região da SADC, tornou-se ainda mais urgente a necessidade de medidas a longo prazo visando reduzir o impacto de choques climáticos e criar a capacidade das comunidades e dos países de aguentar os referidos choques. A Covid-19 veio salientar ainda mais a necessidade de se apoiar uma alimentação local produzida de maneira sustentável com cadeias de valor mais curtas, para garantir que os países sejam resilientes, mesmo diante de calamidades.
O Painel de Alto Nível de Especialistas em Segurança Alimentar e Nutrição (HLPE) na Comissão das Nações Unidas (ONU) para a Segurança Alimentar Mundial (CFS) recentemente definiu a agroecologia nos seguintes termos:
«As abordagens agroecológicas favorecem o uso de processos naturais, limitam o uso de insumos comprados, promovem ciclos fechados com mínimas externalidades negativas e enfatizam a importância do conhecimento local e processos participatórios que desenvolvem o conhecimento e a prática através da experiência, bem como métodos mais convencionais, e corrigem as desigualdades sociais. As abordagens agroecológicas reconhecem que os sistemas agroalimentares se associam a sistemas socioecológicos que se estendem da produção da alimentação até ao consumo e envolvem a ciência, a prática e o movimento social, bem como a sua integração holística, para resolver a situação da [segurança alimentar e nutricional].»[8]
Entre os benefícios-chave da agroecologia contam-se os seguintes:
A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e o Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola (IFAD) têm realçado o papel decisivo da agroecologia no alcance dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).[10] A FAO reconheceu-a como sendo uma «opção promissora para a implementação do Acordo de Paris», uma vez que lida simultaneamente com a adaptação às mudanças climáticas e a mitigação das mesmas.[11] Relatórios recentes apresentados pela Plataforma Inter-governamental Ciência-Políticas sobre a Biodiversidade e os Serviços Ambientais (IPBES),[12] o Painel Inter-governamental sobre o Clima (IPCC) e o HLPE,[13] todos exortam o apoio aos sistemas agroecológicos para os pequenos agricultores, em vez de sistemas industriais de altos insumos externos, e defendem que aqueles podem ser altamente produtivos, muito sustentáveis, empoderam as mulheres, criam empregos, contratam a juventude, garantem maior autonomia, resiliência climática e múltiplos benefícios sociais, culturais e ambientais para mulheres e homens nas comunidades rurais e urbanas.
Há cada vez mais provas de que os sistemas agroecológicos baseados no campesinato têm vantagens claras sobre a agricultura industrial de altos insumos externos. Embora, historicamente, haja um fosso entre os rendimentos da agricultura convencional (de altos insumos externos) e a agricultura orgânica, este fosso tem muitas vezes sido sobrestimado, sobretudo quando se considera: a) o forte desempenho dos sistemas de agricultura agroecológica altamente desenvolvidos; b) que a agroecologia produz altos rendimentos (sobretudo ao longo do tempo) duma variedade de culturas, ao mesmo tempo que gera também benefícios sociais e ambientais adicionais. Um número crescente de pesquisas mostra que, quando convenientemente apoiada e nas condições económicas acertadas, a agroecologia pode superar o empenho dos sistemas de produção agrícola, sobretudo em áreas de sequeiro, mas também em muitos outros contextos, por exemplo[14] uma recente meta-análise verificou que a agricultura alternativa aumentou os rendimentos em 61% dos estudos em comparação com a agricultura convencional, 20 por cento não tendo apresentado nenhuma diferença.[15] Além disso, as práticas de diversificação usadas em práticas agroecológicas podem reduzir ou eliminar qualquer deficiência de rendimento entre a agricultura orgânica e a convencional.[16]
Apesar da urgência e das evidentes vantagens da adopção de abordagens agroecológicas para a transformação dos sistemas de alimentação, a qualidade e a quantidade do financiamento da pesquisa e desenvolvimento agrícola e segurança alimentar são manifestamente insuficientes. A nível global, existe uma deficiência de financiamento para sistemas alimentares sustentáveis, e muito pouco do mesmo é alocado aos pequenos agricultores. Além disso, quase todo aquele financiamento é canalizado ao encorajamento dos agricultores a adoptarem formas prejudiciais de agricultura industrial de alta energia e altos insumos. As abordagens agroecológicas são claramente marginalizadas junto das fontes de financiamento existentes, e quando são apoiadas, isto muitas vezes acontece de maneira pouco conveniente e até prejudicial.[17]
Na sua breve instrução de políticas intitulada Agroecologia: Scaling Up, Scaling Out,[18] a ActionAid identifica barreiras-chave que precisam de ser desafiadas e sete etapas principais requeridas para se alcançar a agroecologia em grande escala: barreiras ideológicas, a orientação internacional do comércio e das exportações, a marginalização das mulhees, as leis monopolísticas sobre sementes, a falta de pesquisa e desenvolvimento agrícola em matéria de agroecologia e a concentração do poder nas mãos das grandes empresas transnacionais do agronegócio (TNC).
3.0 O que o FP-SADC e os parlamentos nacionais podem fazer
Os parlamentos nacionais desempenham um papel importante de fiscalização no sentido de informar e submeter a debate o uso de dotações orçamentais nacionais e contribuições estrangeiras para o desenvolvimento agrícola e a adaptação às alterações climáticas.
Já entre 2018 e 2021, os membros da Comissão Permanente de Agricultura do FP-SADC (FANR) analisaram e interviram em questões ligadas ao impacto das alterações climáticas sobre a agricultura e a segurança alimentar. Entre as intervenções contam-se as seguintes:
Fora da SADC, o Parlamento da América Latina e do Caribe (PARLATINO) está em vias de elaborar uma Lei Modelo sobre a Agroecologia, apoiando-se nas recentemente elaboradas linhas de orientação da FAO sobre o desenvolvimento de quadros normativos visando a promoção da agroecologia na região da América Latina e do Caribe.[19]
A reunião das comissões permanentes de FANR e TIFI vai especificamente procurar atingir os seguintes objectivos:
A sessão vai beneficiar dos conhecimentos especializados de prelectores da ActionAid, do Fórum dos Pequenos Agricultores da África Oriental e Austral, da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e do Centro para a Coordenação da Pesquisa e Desenvolvimento Agrícola na África Austral (CCARDESA). Serão apresentadas comunicações por um painel de prelectores experientes, seguidas de uma sessão interactiva com a tónica nas possíveis intervenções de políticas que podem ser feitas pelo FP-SADC e pelos parlamentos nacionais.
PT - Concept Note for FANR and TIFI Meeting
[1] Relatório-síntese da SADC sobre o estado da segurança alimentar e nutricional e vulnerabilidade na África Austral https://reliefweb.int/sites/reliefweb.int/files/resources/Synthesis-Report-2021_English.pdf
[2] FAO SOFA Team & Cheryl Doss, (2011). The Role of Women in Agriculture’ ESA Working Paper No. 11-02, FAO. http://www.fao.org/sustainable-food-value-chains/library/details/en/c/265584/; FAO, (2011), 2010-2011 The State of Food and Agriculture. Mulheres na Agricultura: Colmatar o fosso de género para o desenvolvimento. http://www.fao.org/publications/sofa/2010-11/en/; ActionAid, (2020), Covid-19 Food Crisis: Pesquisa de monitoramento. https://actionaid.org/publications/2020/covid-19-food-crisis-monitoring-research
[3] Para a Declaração de Maputo, consultar: https://bit.ly/2PQ4EhX
[4] Para a Declaração de Dar-es-Salam, consultar: https://bit.ly/2EzVRPc
[5] Centro Africano para a Biodiversidade (2016). Programas de Subsídio aos Insumos Agrícolas (FISPs): Benefício para, ou Traição dos Pequenos Agricultores da SADC? https://www.acbio.org.za/wp-content/uploads/2016/07/Input-Subsidies-Report-ACBio.pdf
[6] Centro Africano para a Biodiversidade (2016). Ibid; Aliança PSA (2019) Breve instrução de política do PSA sobre a Responsabilidade Social
dos FISP no Malawi, em Moçambique, na Tanzânia e na Zâmbia. http://www.copsam.com/wp-content/uploads/2017/02/SAfAIDS_PSA_PolicyBrief_FISPs_FINAL.pdf
[7] FAO, PNUD e UNEP (2021), =;/ https://doi.org/10.4060/cb6562en
[8] HLPE (2019), Abordagens agroecológicas e outras abordagens inovadoras para a agricultura sustentável e sistemas de alimentação que aumentam a segurança alimentar e a nutrição. Um relatório do Painel de Alto Nível de Especialistas em Segurança Alimentar e Nutrição da Comissão para a Segurança Alimentar Mundial, Roma. http://www.fao.org/3/ca5602en/ca5602en.pdf
[9]ActionAid International (2018), Agroecologia: Scaling Up, Scaling Out. https://actionaid.org/publications/2018/agroecology-scaling-scaling-out.
[10] IFAD (Dezembro de 2019), Como a agroecologia pode responder a um clima em mutação e beneficiar os agricultores. https://www.ifad.org/en/web/latest/story/asset/41485825 ; FAO (2018), O trabalho da FAO em matéria de agroecologia: uma via de transição para os ODS. http://www.fao.org/3/I9021EN/i9021en.pdf
[11] FAO (2018). ibid.
[12] IPBES (2019), Resumo para os formuladores de políticas do relatório de avaliação global sobre a biodiversidade e os serviços ambientais da Plataforma Inter-governamental Ciência-Políticas sobre Biodiversidade e Serviços Ambientais. https://www.ipbes.net/system/tdf/ipbes_7_10_add.1_en_1.pdf?file=1&type=node&id=35329.
[13] HLPE (2019).
[14] ActionAid (2021 – a ser publicado), Movimentar o Financiamento à Agroecologia para as Pessoas, o Clima e a Natureza. Escrito por Colin Anderson e Janneke Bruil; Pretty, J. N., Morison, J.I.L., Hine, R. E. (2003), Reduzir a pobreza alimentar através do aumento da sustentabilidade agrícola nos países em desenvolvimento. Agricultura, Ecossistemas & Ambiente 95, 217-234. 10.1016/s0167-8809(02)00087-7; Ponisio, L.C., M’Gonigle, L.K., Mace, K.C., Palomino, J., de Valpine, P., Kremen, C. (2015). As práticas de diversificação reduzem o fosso de rendimento entre o orgânico e o convencional. Proc Biol Sci 282, 20141396. 10.1098/rspb.2014.1396.
[15] Alonso-Fradejas, A., Forero, L.F., Ortega-Espès, D., Drago, M.n., Chandrasekaran, K. (2020), Junk Agroecology. TNI, Friends of the Earth International, Crovevia. https://www.tni.org/files/publication-downloads/38_foei_junk_agroecology_full_report_eng_lr_0.pdf
[16] Ponisio (2015).
[17] CIDSE (2021) Breve instrução de políticas – Movimentar dinheiro para a agroecologia: Transformar a ajuda ao desenvolvimento no sentido de apoiar a agroecologia. https://www.cidse.org/wp-content/uploads/2021/04/EN-Making-money-move-for-agroecology.pdf
[18] ActionAid (2018).
[19] FAO (2021), Legislação visando promover a agroecologia na região da América Latina e do Caribe. https://www.fao.org/agroecology/database/detail/en/c/1438599/